Há algumas semanas estreiou o filme "Procurando Dory" nos cinemas. Antes disso, vários grupos já estavam fazendo campanhas para que o peixe não virasse objeto de aquisição de milhares de pessoas, lembrando a febre que o filme Procurando Nemo (2003) causou nas lojas de aquarismo, atrás do Amphiprion ocellarisuma das espécies conhecidas popularmente com Peixe Palhaço e retratada no papel principal do filme.

Personagem do filme Procurando DoryAo contrário do "Nemo", que é reproduzido em cativeiro e em larga escala, a "Dory" ou Paracanthurus hepatus é capturada na natureza pois sua reprodução em cativeiro não é comum, isso significa que à cada "Dory" que entra em um aquário, é uma "Dory" que deixa de nadar no mar, se reproduzir e gerar outras "Dorys". Acredito que isso você já esteja cansado de saber, afinal todos os textos que encontrei por aí, usavam esse argumento inicialmente, talvez por apelar para o lado emocional e consequentemente atrair mais pessoas para o conteúdo.

Na minha opinião, alguns até tiveram boa vontade, mas a estratégia foi falha. Você acredita que a grande maioria vai deixar de ter um Paracanthurus hepatus em casa simplesmente pensando na conservação da espécie na natureza? Desculpe, mas eu não acredito, já passei da fase de achar que as nuvens são feitas de algodão doce! Acredito sim, que a grande maioria terá um desejo ainda maior de ter uma "Dory" em casa, afinal o fato de ser mais rara que o "Nemo", a torna algo ainda mais valioso, aos olhos da maioria.

Que tal se, ao invés de repetir que todo mundo vai querer o peixe em casa, se destacasse mais os pontos que desencorajariam muitos a desembolsar quase R$1.000,00 (mil reais) para comprar uma "Dory"? Isso mesmo! Esse deve ser o primeiro ponto a ser colocado! Apelando para o lado financeiro, boa parte dos entusiastas da questão já deixariam o seu desejo para um segundo plano. Ao contrário do "Nemo" que custa entre R$50,00 e R$80,00, um exemplar de "Dory" não sai por menos de R$500,00 e com o aumento da procura, além de toda essa divulgação (obrigado Disney!) pode duplicar esse valor, no mínimo!

No filme, a Disney (obrigado novamente Disney!) mostra um peixe resistente, que pula de tanque em tanque, em tudo quanto é tipo de água, vai para o mar, volta para o aquário e está sempre firme e forte, porém com o peixe real não é bem assim. O Paracanthurus hepatus não é uma espécie que aceita qualquer tipo de água, requer um aquário grande e um bom investimento em equipamentos (a maioria cotado em dólar) para manter a qualidade da água e o peixe azul e brilhante como no filme. Dificilmente se monta um aquário adequado para uma "Dory", por menos de R$10.000,00 (dez mil reais)! Vale ressaltar ainda que, além de um custo alto, um aquário para um peixe desses, que atinge em torno de 30cm, precisa ter, no mínimo, 400 litros e um bom espaço para acomodá-lo, lembrando que não existe peixe que cresce de acordo com o tamanho do aquário e sim peixe que morre ou adoece antes de atingir o tamanho máximo da fase adulta, por falta de espaço! Poucas pessoas estarão dispostas a comprar um peixe que vai exigir um investimento de mais de R$10.000,00 para mantê-lo vivo somente por alguns dias, provavelmente por falta de experiência no assunto e simplesmente por ter agido por impulso.

Me lembro do filme Gigolô por Acidente (1999) onde um Peixe Leão se tornou um dos destaques do filme, ao ser morto acidentalmente pelo profissional (interpretado por Rob Schneider) que fazia a manutenção de um gigantesco aquário particular na ausência do proprietário e acabava tendo que trabalhar em "outras atividades" para repor o valiosíssimo peixe de milhares de dólares (segundo o filme). Com certeza houve uma maior procura pelo peixe nas lojas, porém eu me recordo de várias pessoas que quando eu comentava ser aquarista, citavam esse peixe e diziam "Sabe aquele peixe do filme? Será que alguém tem um peixe tão caro em casa? Somente um milionário né?", ou seja, mesmo sem querer, o filme conseguiu mostrar o peixe como objeto de desejo mas inviável economicamente para a grande maioria, minimizando os impactos que poderia causar à existência da espécie na natureza. Infelizmente não vi esse tipo de preocupação no filme Procurando Dory (2016).

Li sobre lojas que após o lançamento do filme, encomendaram mais de 200 exemplares e todos foram vendidos em 3 dias. Sinceramente, não acredito que tenha havido uma procura dessas em uma única loja em um período tão curto, sendo que a mesma loja disse que normalmente tem 2 ou 3 exemplares e esses número leva dias para esgotar. Porém, com certeza a procura vai aumentar, nem que seja por gente curiosa que jamais teria o peixe mas ficou interessada no assunto e isso pode resultar em euforia dos proprietários de lojas, consequentemente em toda uma cadeia que movimenta o mercado de aquarismo, desde distribuidores até empresas que coletam os animais na natureza. Então, espero que não somente o comprador final pense bem antes de adqurir um P. hepatus sem ter um bom conhecimento em aquarismo marinho, mas também o comerciante, que por uma empolgação de momento, pode acabar ficando com um estoque parado e contribuindo para algo que ninguém que realmente ama o aquarismo estaria disposto a fazer parte, que é ameaçar a existência de uma espécie na natureza por pura ganância.

Para finalizar, gostaria de deixar claro que não acho que a espécie deva ser proibida para fins ornamentais ou que as lojas não devam tê-la para venda à seus cliente, só acho que essa comercialzação deve ser feita de forma responsável, para o bem da espécie e da própria loja.

Sobre o autor:
Marne Campos
Autor: Marne Campos
Marne Campos, natural de Campinas-SP, é aquarista desde 1990 quando, aos 7 anos de idade, ganhou o seu primeiro aquário e se apaixonou completamente pelo aquarismo. Bacharel em Análise de Sistemas pela PUC-CAMPINAS e técnico em Eletro-Eletrônica pela UNICAMP, criou o projeto Aquarismo Online em 1999, além outras iniciativas ligadas ao aquarismo que vieram logo em seguida, entre elas a idealização do CBAP (Concurso Brasileiro de Aquapaisagismo) onde ocupou o cargo máximo por 12 anos. Dedica-se à aquários plantados desde 1998, tendo como principal área de interesse atualmente, a manutenção de ambientes aquáticos por longos períodos.

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