Foz do Amazonas e camada de lama despejada no Oceano AtlânticoQuando a gente acha que a espécie humana já conhece bem o nosso planeta, a natureza vem e mostra que não conhecemos quase nada! A notícia sobre a descoberta, ou melhor, a confirmação de recifes de corais ao longo da foz do Rio Amazonas foi destaque em vários jornais e sites de pesquisa científica nas últimas horas e realmente é uma notícia muito interessante, deixando o excesso de sensacionalismo que alguns canais de notícia utilizaram, é claro.

A primeira coisa que precisamos entender é o que realmente se confirmou e eu uso a expressão "confirmou" pois pelo que ficou claro, já se suspeitava da existência de alguns dos animais encontrados nessa região desde a década de 70, através de relatos de pescadores e até de um mapa da região que tentava mostrar onde seria possível encontrar peixes bastante coloridos, além de corais e esponjas. Ninguém encontrou um recife de corais daqueles que vemos fotos em água caribenhas no meio do leito do Rio Amazonas, a região de estudo é a Foz, aquela parte onde o rio encontra com o oceano e despeja suas águas. "Ah, mas então não tem novidade alguma, meu primo mora no litoral e tem um riozinho que desagua na praia, onde encontramos vários peixes e invertebrados de água salgada a alguns metros da praia". Vamos com calma, estamos falando do Rio Amazonas, onde um quinto de toda a água doce que "escorre" dos rios para o oceano passa por ali, então imagine a força dessas águas e por quantos quilômetros ela é capaz de alterar as condições da região, ou seja, o quanto a água daquela região se torna diferente da água do Caribe, de Fernando de Noronha ou dos locais onde encontramos recifes dessa magnitude. Só isso já seria motivo para a surpresa ao se encontrar corais na região, pois é quase uma ilha (de alguns quilômetros) de água doce em meio a um oceano de água salgada, como se o Rio Amazonas e suas águas doce entrassem mar a dentro por uns bons quilômetros, até irem se tornando salobras e finalmente salgadas como o oceano que as recebe.

Representação gráfica do recife

Interessante, não? Porém tem mais! Se você está lendo esse texto, há uma grande chance de ser aquarista, assim como eu, afinal esse é um site de aquarismo. Como aquarista você sabe que aquários com corais, ou reefs, possuem uma grande demanda por iluminação e não é porque os aquaristas gostam de pagar altas contas de energia, mas porque os corais, em sua maioria, vivem em simbiose com algas que utilizam essa luz para realizar a fotossíntese e "alimentar os corais", sem luz suficiente essas algas morreriam e os corais também. Agora imagine aquela imensidão de água doce entrando mar a dentro no oceano e levando consigo toneladas de terra, lama, galhos enfim, tudo quanto é material que deixa a água mais escura, diminuindo radicalmente a passagem de luz para essas algas.

Agora sim, acho que ficou mais fácil entender porque essa notícia recebeu tanto destaque!

O que se sabe até agora é que os corais encontrados não são as mesmas espécies dos corais mais explorados comercialmente no aquarismo ou da imagem que nos vem à cabeça quando pensamos em um ambiente desses. Dependendo da latitudade da região, as espécies mudam bastante, ao sul onde a camada de sedimentos trazidos pelo Rio Amazonas dura um período menor do ano, as espécies são mais coloridas e lembram mais o que imaginamos como um recife com predominância de corais duros como o "chifre de servo". Já ao norte, a penetração da luz é bastante prejudicada por mais da metade do ano, chegando a 2% do que chega à superfície da água, nessa região a predominância é por esponjas gigantes (de até 3 metros de altura) e animais carnívoros, inclusive lagostas já eram capturadas pelos pescadores há anos. Sempre se imaginou que a Foz do Amazonas formasse uma barreira natural para que as espécies da região do Caribe não fizessem parte também da costa brasileira, porém agora percebe-se que ela funciona mais como um filtro onde algumas espécies conseguiram se adaptar. Essa notícia até reacendeu a polêmica sobre o Peixe Leão, uma espécie invasora que tem sido encontrada em águas caribenhas, possivelmente introduzida pelo ser humano e que recentemente teve dois exemplares encontrados em águas brasileiras, já que até então se imaginava que a longa distância e a foz do Rio Amazonas fossem obstáculos para que ele chegasse até aqui, porém agora se cogita que essa região poderia até servir de "ponte" fornecendo alimento e proteção para o peixe durante a sua longa viagem do Atlântico Norte até o Atlântico Sul.

Rodrigo Leão Moura, URFJ, analisa rede de arrasto com materiais da região.Os estudos sobre a região apenas começaram a ser realizados e é bom que eles se acelerem nos próximos meses pois aquela região tem vários pontos que foram designados pela ANP para que empresas estrangeiras realizem a exploração do petróleo, então seria importante se conhecer mais sobre suas características para que essa exploração não prejudique um habitat que contraria muitos livros escritos por aí e que pode ter ainda muito a revelar. Até o momento duas embarcações estadunidenses haviam estudado o local, porém dando maior ênfase para as alterações que o Rio Amazonas poderia causar nas águas oceânicas daquela região. Um grupo de cientistas brasileiros, liderado pelo cientista Rodrigo Leão Moura, da UFRJ, pegou carona para iniciar os estudos sobre a "lenda do recife de corais do Rio Amazonas", até que a terceira e decisiva expedição, à bordo do navio Cruzeiro do Sul, da Marinha Brasileira, em 2014 trouxe informações decisivas para esse estudo. Parece que o grupo de cientistas submeteu duas solicitações de expedição na região com o navio em 2015, porém mesmo sendo aprovadas, não aconteceram por limitações orçamentárias. A ideia é voltar ao local com um veículo de operação remota e colher imagens do fundo do mar nessa região, já que até o momento o que os cientistas tem são pedaços de esponjas, corais e peixes coletados através de uma rede de arrasto.

 

Fontes de consulta:

Sobre o autor:
Marne Campos
Autor: Marne Campos
Marne Campos, natural de Campinas-SP, é aquarista desde 1990 quando, aos 7 anos de idade, ganhou o seu primeiro aquário e se apaixonou completamente pelo aquarismo. Bacharel em Análise de Sistemas pela PUC-CAMPINAS e técnico em Eletro-Eletrônica pela UNICAMP, criou o projeto Aquarismo Online em 1999, além outras iniciativas ligadas ao aquarismo que vieram logo em seguida, entre elas a idealização do CBAP (Concurso Brasileiro de Aquapaisagismo) onde ocupou o cargo máximo por 12 anos. Dedica-se à aquários plantados desde 1998, tendo como principal área de interesse atualmente, a manutenção de ambientes aquáticos por longos períodos.

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